publicado em 12/11/2025
Por Victor Hugo Scandalo Rocha
A proposta de reforma tributária hoje em discussão busca tratar de diversas distorções do sistema vigente, as quais geram verdadeiras injustiças fiscais. Uma dessas distorções mais marcantes é a baixa tributação do chamado “rentismo” ou seja, a obtenção de renda por meio da exploração do patrimônio, sem participação efetiva nas relações produtivas da sociedade.
O rentismo é alvo de críticas porque, em princípio, não parece razoável percepcionar renda apenas pela posse de patrimônio, sem que haja retorno social ou econômico significativo. No Brasil, entretanto, ele encontra estímulos institucionais. Além dos altos juros e do “custo-Brasil” para quem empreende, a legislação tributária vigente favorece essas práticas.
Diferentemente de muitos sistemas tributários em que a renda ou o patrimônio são fortemente tributados, o sistema brasileiro dá ênfase maior à tributação sobre o consumo, o que reduz o estímulo às atividades produtivas e estimula a busca por rendimentos passivos. Para efeito de comparação: a arrecadação tributária sobre o consumo no Brasil representa cerca de 15,1 % do PIB, enquanto a média dos países da Organisation for Economic Co‑operation and Development (OCDE) é de aproximadamente 10,8 %.
Esse desequilíbrio contribui para que as práticas rentistas prosperem e penaliza proporcionalmente mais os que têm menor renda.
Outro problema da configuração atual é que a legislação muitas vezes não distingue de modo efetivo o empreendedor — aquele que realiza investimentos, contrata serviços, emprega pessoas — do rentista — aquele que explora patrimônio para obter rendimento. Por exemplo, tanto quem arrenda terras como quem efetivamente opera uma atividade rural podem optar pelo regime de Lucro Presumido, o que leva à mesma tributação de PIS e COFINS cumulativos, independentemente de haver ou não investimento ou produção efetiva.
Nesse cenário, a proposta da reforma tributária pretende adotar o mecanismo da “não-cumulatividade ampla” — técnica que visa eliminar a “tributação em cascata” ao permitir a compensação entre tributos pagos nas etapas da cadeia econômica (compra e venda). Isso reduz o impacto dos tributos no custo de operação e nos preços, aumenta a transparência fiscal e favorece quem investe verdadeiramente em atividades produtivas.
Com essa mudança, mesmo que as novas alíquotas para os tributos como IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços sejam elevadas, existe a possibilidade de que a carga tributária efetiva de empresas produtivas venha a diminuir — justamente porque haverá adaptação ao seu funcionamento operacional. Por outro lado, para quem mantém patrimônio sem investir ou produzir (o rentista), a carga deverá aumentar de forma expressiva.
No setor rural, por exemplo, o arrendamento de terras passaria a estar sujeito ao IBS/CBS, e somente quem realizar investimentos — em insumos, máquinas, serviços — poderá se beneficiar de menor tributação. Em outras palavras: o sistema passará a premiar quem aplica capital em atividades produtivas em vez de quem simplesmente detém patrimônio à espera de rendimento.
Em síntese, a reforma tributária coloca em seu centro a neutralidade econômica, a desoneração das atividades produtivas e o estímulo ao empreendedorismo. Ao mesmo tempo, atua como um instrumento de reparação de injustiças históricas no sistema tributário brasileiro ao deslocar o foco do privilégio à renda passiva e privilegiar a aplicação de recursos em atividades que gerem valor. Se implementada de fato nessa direção, pode tornar o sistema mais eficiente, mais justo e mais voltado ao desenvolvimento econômico, ao contrário da lógica atual que tem favorecido o rentismo.
O autor é advogado, especialista em direito tributário e planejamento tributário, especialista em contabilidade financeira e tributária e diretor jurídico do Movimento Destrava Brasil.